25 de nov. de 2009

ENTREVISTA DE JOSÉ ALENCAR PARA A REVISTA CARTA CAPITAL


O vice-presidente José Alencar anda mais mineiro do que nunca quando se trata do jogo político. É quase impossível arrancar dele um mísero palpite sobre a sucessão de 2010 ou uma opinião pessoal a respeito dos presidenciáveis. Talvez tenha a ver com o momento de sua vida. Em outubro, Alencar ouviu a boa notícia da redução dos tumores contra os quais luta desde 2006, e já pensa até em disputar a eleição. Ainda um pouco abatido, o vice recebeu Carta Capital em seu gabinete e demonstrou estar em plena forma como frasista ao revelar, por exemplo, qual a maior desvantagem do cargo que ocupa: “Não mandar nada”. Ao contrário de Lula, que não se considera um esquerdista, o fundador de uma das maiores empresas do Brasil não titubeia: “Sempre fui de esquerda”.
Carta Capital: Como está sua saúde? A previsão de redução dos tumores em 30% Se confirmou?
José Alencar: Sim. Em 21 de outubro foi feita uma ressonância magnética que revelou a redução do tamanho dos tumores, todos eles. Depois, no dia seguinte, o PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) confirmou a ressonância.

CC:O senhor se surpreendeu?
JA: Os próprios médicos ficaram surpresos. Ainda não fizemos outro exame, eles pediram para fazer o próximo em janeiro. Então, por enquanto não tem nenhuma outra notícia a não ser aquela boa.
CC: Chegou a considerar que a morte estava próxima?
JA: Considerei, porque o tumor é recorrente. A primeira operação foi em julho de 2006, depois mais um (tumor) em novembro daquele ano, depois em 2007, em 2008, três em 2009... Só deste tipo de tumor, o sarcoma, foram oito cirurgias. Ao todo foram 15, se contar desde aquelas que me atingiram em 1997. Não é brincadeira, é uma luta, mas está indo bem, estamos animados. Mas diante da natureza do tumor cheguei a pensar o seguinte: vou planejar, porque acho que vou morrer mesmo.
CC:Planejar?
JA: É força de expressão. Agora tenho de começar tudo de novo, porque parece que Deus está querendo me curar. E se ele quiser,acabou.
CC: As pessoas costumam dizer que diante da proximidade da morte, repensam valores. E o senhor?
JA: O que sempre pedi a Deus foi que me desse humildade. Não que fosse soberbo, mas às vezes a pessoa pensa que é humilde e não é. Todos os pensadores falam de humildade. Jesus Cristo dizia que os humildes serão exaltados e os exaltados, humilhados. Segundo Cervantes, a humildade é a mais importante de todas as virtudes. Tanto que, sem ela, não há virtude que o seja. Isso é um fato. Do ponto de vista da morte, Santo Agostinho ensina: o homem deve viver preparado para morrer a qualquer instante e proceder como se não fosse morrer nunca. Essas coisas vêm à tona quando a gente está na UTI,depois de uma operação.
CC: Chegou a mudar alguma coisa em sua vida?
JA: Não, não mudou, a gente reflete. Porque as pessoas pensam: o Zé Alencar é candidato a alguma coisa, o ano que vem tem eleições. Mas eu não levarei meu nome como uma proposta de candidatura se não estiver bem de saúde, porque não seria honesto. Se eu não tiver segurança de que posso exercer o mandato, não serei candidato. Se Deus me curar, as lideranças quiserem, o partido me der legenda e os eleitores votarem em mim, por que não? Depende de muita coisa e a primeira delas é a cura.
CC:O senhor se considera privilegiado por ter podido fazer estes tratamentos todos? Comenta-se que o vice-presidente pôde fazer e muita gente não pode.
JA:Isso me deixa triste, porque o ideal é que todos pudessem. No caso de Houston (nos EUA), foi gratuito. Foi uma oferta minha para servir de cobaia, isso qualquer um poderia fazer.Não houve um real de pagamento de nada.
CC: O presidente tem reclamado muito da imprensa. O senhor acha que a imprensa trata mal o governo?
JA: Não quero entrar nas razões que levam uma pessoa a tomar uma posição em relação a uma instituição ou coisa que o valha.Não tenho nada com isso.

CC: Mas quando começou o governo e o senhor falou mal da política de juros, foi alvo de muitas críticas, chamado de falastrão... Essa percepção é bem diferente hoje.
JA: Falaram isso de mim? Ninguém me mostrou isso, não. Veja, eu ingressei na vida pública quando fui eleito senador em 1998 por Minas. Até então ninguém me conhecia politicamente. Em janeiro de 2003 assumi a Vice-Presidência da República, comecei a trabalhar e aos poucos fiquei mais conhecido. Hoje sou mais conhecido do que era quando entrei. Parto do princípio de que ninguém pode gostar do que não conhece.

CC: O senhor mudou de ideia em relação à política econômica depois deste reconhecimento internacional do Brasil?
JA: Não veio nenhum reconhecimento a respeito de nossa política monetária. Eu nunca falei contra a política econômica. A situação do Brasil hoje é uma fábula apesar da política monetária e não graças a ela. Graças, sim, à responsabilidade fiscal. Porém, a política monetária contraria o esforço que se faz pela responsabilidade fiscal, porque os juros são a principal rubrica de despesa da União, o que tem afetado o equilíbrio orçamentário. Qualquer pessoa que se ocupar um pouco disso vai ver que é um despropósito. O preço das coisas obedece ao mercado, numa economia aberta. O mercado internacional de juros não é esse, por que temos de adotar?

CC:O governo Lula está batendo esse bolão todo?
JA: É gratificante participar do governo, sabe por quê? Pela seriedade com que o presidente Lula conduz as coisas. Uma coisa que não esperava é o trabalho admirável que ele tem feito no campo dos negócios externos. O Brasil hoje é outro país, é considerado, chega e tem assento à mesa nas negociações internacionais, tem respeito. Cresceu de forma inesperada, até, num prazo muito curto de trabalho do Lula. Isso temos de creditar a ele.
CC: Neste período houve alguma semana que o senhor pensou: êpa, vou ter de virar presidente,vão querer tirar oLula?
JA: Lula nunca teve nenhum problema desse tipo. Até porque nunca houve motivo para se pensar nisso. A mim ninguém procurou, porque assombração sabe para quem aparece.
CC: Nesse episódio do apagão, a ministra Dilma foi criticada por aparecer na tevê de forma meio ríspida, chamando uma repórter de “minha filha”. O senhor acha que, como o Lula em 2002, ela deveria ficar mais paz e amor?
JA: Mas aquilo é paz e amor, não há nada mais precioso que um filho... E
Uma filha, então, nem se fala.
CC: Se os dois principais candidatos forem mineiros, o seu coração vai balançar um pouco?
JA: Se os candidatos forem mineiros, estaremos ouvindo a vontade nacional, porque tenho dito que o Brasil está com saudade de Minas. Mas eu tenho um lado,meu candidato é o candidato do Lula.
CC:O governo do PT foi melhor que o do PSDB?
JA: Em determinadas coisas foi muito melhor. Houve algumas privatizações com as quais nunca concordamos. Por exemplo: fui contra, como senador, da alienação de mais de 30% das ações da Petrobras com direito a voto. Aquilo nunca podia ter sido feito. Em Minas fizeram coisa parecida com a Cemig, quase entregaram essas duas companhias. Veja o que aconteceu com a Argentina. Acabaram com tudo, levaram o país a uma situação de dependência enorme. Não só por excesso de privatizações como por uma política pouco nacional.

CC:Faltou nacionalismo aos tucanos.
JA:Tem de haver compromisso nacional. As pessoas ficaram com medo de defender as questões do Estado. O governo Lula não representou um pensamento desfavorável ao desenvolvimento do setor privado. Ao contrário, nunca houve um governo que desse tanto apoio e tanta segurança ao setor privado.Isso não significa que o Estado deva ser retirado.

CC: Após essa convivência longa com Lula, o senhor se sente uma pessoa mais à esquerda?

JA: Sempre fui de esquerda. Uma esquerda significa responsabilidade social, para com o próximo,defesa dos interesses nacionais.
CC: O senhor apostaria em Serra ou Aécio como candidato do PSDB?

JA: Não tenho condições de dizer. O que posso falar é que tenho apreço por ambos.
CC: O senhor falou recentemente que um dos problemas do Brasil hoje é a impunidade.
JA: Sim, temos de combater muito, o Brasil é o país da impunidade. Muita gente não leva a sério as coisas, desrespeita a legislação e fica por isso mesmo. Não é só no setor público, no setor privado também. É preciso que as pessoas tenham respeito às leis, porque fora da lei não há salvação.O Brasil tem de ser um país que age dentro da lei.
CC: Mas como acabar com a impunidade se a Justiça é tão lenta?
JA: A Justiça pode ser lenta, mas é aquela história, tarda mas não falha. E a impunidade não é só pela morosidade da Justiça. O brasileiro tem sido muito generoso com as pessoas que agem fora da lei,é ultra condescendente. Isso não pode, não ajuda.
CC: Que conselho o senhor daria ao seu sucessor na Vice?
JA: Olha, se conselho fosse bom, não era de graça. Quem sou eu para ficar dando conselho? Sou muito jovem para isso.
CC:Qual a maior vantagem de ser vice-presidente?
JA: Não ter de fazer tudo aquilo que o presidente tem de fazer. O presidente tem de fazer tanta coisa. E o vice só faz aquilo que sobra para ele. O trabalho é grande,mas é pequeno perto do trabalho do presidente.
CC:E a maior desvantagem?
JA: É não mandar nada. Ser vice seria melhor se o vice mandasse alguma coisa.
CC: Antigamente se dizia que o vice ideal não fala. É isso mesmo?
JA: Não. Quando for para falar contra os juros, pode.
Fonte: Revista Carta Capital - Edição 573 -Colunista: Cynara Menezes
Foto: Edson Guedes

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